Esta sexta-feira os deputados vão de férias, com a pausa de verão na Assembleia da República, depois de, na semana passada, ter havido debate do estado da nação e terem continuado a decorrer, nos últimos dias, os trabalhos das comissões, que só hoje findam.
Com este ‘fim de ano legislativo’, os deputados só voltarão ao trabalho em setembro, para a reta final do ano, pelo que a Executive Digest questionou José Adelino Maltez, professor universitário, biografo e investigador de Ciência Política, e Edna Costa, politóloga, professora e investigadora de Ciência Política da Universidade do Minho sobre os temas e episódios que marcaram o ano legislativo até agora.
Do mais positivo ao mais negativo, dos ‘casos e casinhos’ que viram cair 13 membros do Governo a uma velocidade nunca antes vista, à “Mão cheia de nada” que representaram os desenvolvimentos do caso TAP, em especial o que envolve a Comissão Parlamentar de Inquérito, os especialistas apontam também quais serão os desafios com que Governo e Oposição poderão contar no futuro muito próximo
Edna Costa
Pontos altos/positivos
“Num ano tão conturbado ao nível da estabilidade e credibilidade do Executivo, com claras consequências na confiança dos portugueses nos responsáveis políticos, um ponto positivo terá sido a capacidade do Presidente da República em equilibrar a pressão sobre o Executivo e PM com uma mensagem de confiança nas instituições políticas e nos políticos. Este papel do Chefe de Estado é fulcral no sentido de não contribuir para o propagar do discurso populista sobre a ineficácia das instituições e dos representantes democraticamente eleitos.”
Pontos baixos/negativos
Apesar de terem sido muitos os dossiers cuja gestão ficaram aquém das expectativas dos portugueses, saliento a ‘mão cheia de nada’ que foi o relatório da CPI à gestão da TAP, aprovado apenas com os votos favoráveis do partido que suporta o Governo, isentando-o de quaisquer responsabilidades e excluindo vários episódios graves trazidos à discussão durante o período de audições. A indisponibilidade dos responsáveis do Governo para comentar este tema veio reforçar a perceção pública de encobrimento e de deturpação da verdade dos factos neste processo extremamente conturbado.
Quais serão os maiores desafios no próximo ano legislativo (para Governo e para a oposição)? Quais os que “transitam” e os que poderão surgir?
Um dos problemas que com certeza transitará para o próximo ano será a tensão na coabitação Belém/São Bento, cuja dinâmica esteve bem presente nesta última semana, após a reunião do Conselho de Estado. Vendo-se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa impedido de ter ‘última palavra’ antes do período de férias, por motivos de agenda do PM, fez questão de enviar um sinal claro de que não aliviará o escrutínio e a pressão sobre o Governo. O texto que acompanha a decisão de não promulgação do diploma da carreiras dos professores inclui críticas afiadas à atuação do Executivo tanto ao nível da sua visão para o setor da Educação como da abertura negocial com este grupo profissional.
José Adelino Maltez
Pontos altos/positivos
O problema aqui não são os casos e casinhos… O mais positivo é ter havido uma gestão, um apagamento dos casos e casinhos, que é notáel, e acabam por estar relacionados. Quanto à oposição… O PSD está apertado… Há uma situação de interregno quanto às definições para a parte final da corrida. Vão no pelotão, com o Ventura a fugir, depois volta atrás… mas, no geral, acho que ainda não gastaram as energias todas para a vitória na etapa.
Pontos altos são resultados financeiros e económicos. Há aqui uma estabilidade que, apesar de tudo, nota-se. Há sinais de que não houve um afundamento do país, não chegou o diabo, como dizia o outro.
Pontos baixos/negativos
O ponto mais baixo são 13 membros do Governo que tiveram de sair, o que significa pouco cuidados nas escolhas. E pouco cuidado numa luta contra estas desgraças por culpa de currículos de membros governamentais. Há aqui uma falta de selecionador nacional, de olheiros. Não há scout digno e adequado. Isto não devia acontecer, fazendo a comparação com o desporto. Deviam ter a ficha toda bem elaborada, há pouca ‘olhosidade’ nestes processos. E isso foi um imprevisto.
Continua Costa ameaçado com possibilidade de próxima cabeça a cair ser a dele?
A cabeça de costa não cai porque há um equilíbrio entre Marcelo e Costa, com o PSD. O equilíbrio é uma das qualificações deste modelo de governança: nem a maioria absolta é exaltada, de vez em quando Costa excede-se, mas não muito… esse equilíbrio é visível, o que chamamos ‘checks and balance’. Pesam-se uns aos outros, verificam-se e o poder vai balanceando.
E o fiel da balança é o Presidente que é um árbitro que também joga, há aqui um equilíbrio que vai resistindo. Não chegámos à fricção, quando Marcelo se exaltou é o mestre escola a dar ‘tau tau’ aos alunos, de vez em quando puxa da régua, mas fica só na advertência mais exaltada. No momento em que azedaram as coisas, um atirou, outro respondeu, e depois marcou um conselho de Estado para daqui a uns meses. Sinal de que não querem enveredar por aí, não cedem, nenhum cedeu, mas também não metem fel. O português não gosta de conflito institucional.
Desafios
O problema não está nas grandes leis, está em cumprir aquelas que existem e em haver uma vontade reformista. Mas isso não acredito… por exemplo era preciso que houvesse uma reforma da Administração da Justiça em nome do povo. Era a principal lei a criar, mas nem apresentaram isso nas campanhas eleitorais. Há uma degradação crescente da visão que o homem comum tem da justiça. E para isso era preciso haver coragem e maioria firme, e acabar com as vacas sagradas. Estando com muitas: alguém pergunta se o sistema do Ministério Público deve ser alterado? Ninguém fala nisso, e depois quando aparece uma coisita é má língua, mas não é uma visão de reforma do estado da administração da justiça. Portugal tem os meios extremamente mal distribuídos, não são as qualidades nem o profissionalismo dos juízes, não é propriamente a incompetência… É esta nossa busca por um sistema original face à Europa… Não há pais na Europa com tanta autonomia do Ministério Público. E ai de quem ponha isso em causa, ou que faça a pergunta. Aí o poder instalado dos administradores da justiça, juízes, magistrados, advogados, faz com que políticos não tenham ideias sobre a justiça. A melhor lei era uma lei de reforma processual. Esperamos 10, 15, 20 nos, para que se resolvam casos mediáticos. É inadmissível estes atrasos do início de certos processo. De quem é a culpa? Da lei. E portanto era preciso alterar a lei. Mas têm medo…














